O passo preciso, em câmera lenta, no ritmo estrito do samba, a exata medida
da elegância mais carioca, invadiu o palco do espetáculo e a alma da plateia. A
magia que subia pelas paredes, movida por uma coleção impressionante de
preciosidades musicais, ganhou forma e movimento, motivando apropriada chuva de
aplausos. Predicados de bamba — no caso, Aluisio Machado, santidade carnavalesca
em verde e branco, cores do seu Império Serrano, instituição inegociavelmente
necessária à nossa grande festa.
A cena se deu diante de centenas de sortudos que estavam no Imperator, na
noite da terça-feira, para o “Carnaval histórico”, celebração criada pelo
parceiro Leonardo Bruno e promovida anualmente pelo “Extra”. Convidado para se
apresentar como um dos poetas imperianos, o autor (com Beto Sem Braço) de
“Bumbum paticumbum prugurundum”, hino do último título da escola, em 1982,
desfilou o gingado para delírio do público. No bojo, ratificou a importância do
Império Serrano para a cultura carioca.
Além de Aluisio, a noite foi consagrada a Silas de Oliveira, Mano Décio da
Viola, Dona Ivone Lara e Arlindo Cruz, todos compositores da verde e branco da
Serrinha. Com o gancho da efeméride do cinquentenário de “Aquarela brasileira”,
passou pela excelente casa noturna do Méier uma coleção magistral de sambas —
“Heróis da liberdade”, “Cinco bailes da história do Rio”, “A lenda das sereias,
rainhas do mar”, “Eu quero”, “Império do divino”, entre muitos outros —, cantada
em coro pela plateia embevecida. Além dos ouvidos, os olhos foram premiados por
imagens valiosas de carnavais passados, preto e branco mágico que iluminou um
tempo glorioso da escola.
Para confirmar, uma representante daqueles dias surgiu majestosa em sua
cadeira. Dona Ivone Lara, a primeira mulher a compor samba-enredo — autora (com
Silas e Bacalhau) de, simplesmente, “Cinco bailes”, um dos mais espetaculares
hinos de todos os carnavais. A grande dama, 91 anos, cantou com a voz
inacreditavelmente firme, sem perder o ritmo, como convém aos da Serrinha.
Arlindo Cruz, o homenageado pop, recebeu o parceiro portelense Zeca Pagodinho
e fez com ele um trio iluminado, quando Aluisio Machado entrou, no seu passo de
bamba. No show solo, o autor de “O meu lugar” repetiu o ritual de atirar
toalhinhas para a plateia em êxtase, a versão sambista das rosas de Roberto
Carlos.
Antes, passaram baianas, mestre-sala e porta-bandeira e a Sinfônica do Samba,
a bateria com os lendários agogôs, numa apoteose que mostrou a força da arte
imperiana. Nenhum ser humano consegue ficar imune à magia que vem da
Serrinha.
Falta, apenas, combinar com a vida real, muito além das fronteiras da noite
no Imperator. Dono de nove títulos na elite do samba (e outros três no Acesso),
o Império padece há cinco carnavais na segunda divisão da folia, metido em
endêmicas dificuldades orçamentárias. Em 2014, sequer realizou seus ensaios de
sábado à noite — um dos grandes programas da temporada pré-desfile —, por falta
de orçamento. A nova tentativa de voltar ao Grupo Especial — o seu lugar por
direito — se aproxima num clima de incerteza.
Tomara que dê certo. Porque não se pode esquecer o mais importante: triste da
festa que prescinde da magia do Império Serrano.
Viva a coroa imperial!
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